Objectos a transportar numa viagem: água, uma lanterna e um bom farnel


Este velhinho filtro de água, que há muitos anos não é utilizado, acompanhou sempre os meus pais em Angola nas suas inúmeras deslocações. É possível que até tenham tido vários, porque algum se pode ter partido, mas este é o que permanece. No seu interior possui um filtro (vela) que permite à água passar da parte de cima para o espaço inferior. Recordo-me que estas "velas" eram substituídas regularmente, e, para além disso também eram esfregadas com uma escova para retirar os resíduos que nelas se depositavam. Enquanto fui criança a minha mãe não confiava de todo na sua eficácia, por isso a água era previamente fervida durante quinze minutos. Eram cuidados necessários num país tropical onde as águas em zonas do interior ainda não eram tratadas.

A escolha desta imagem resultou de ter falado ontem com o meu pai sobre as viagens que se faziam por picadas às vezes em muito mau estado, em particular, na altura das chuvas. Havia uma expressão muito engraçada que em Angola se utilizava com grande convicção, quando uma estrada até nem tinha muitos buracos - pode ficar descansado que a estrada é uma pista. Este conceito de pista faria certamente sorrir muita gente se imaginassem o tipo de estradas a que era aplicado. Isto tudo para referir como era importante providenciar alguns objectos básicos quando se fazia uma viagem, como água potável fresca guardada em termos. Mas também era preciso pensar numa lanterna, porque nunca se sabia quando o carro iria avariar e se ficariamos no meio do mato, assim como uma merenda pelas mesmas razões. Passados tantos anos confesso que ainda sou atraída pela compra de lanternas, considero-as um objecto extremamente útil mesmo viajando em auto-estradas.

Era comum sair de casa cedo para evitar as horas de maior calor. Por isso, nesses dias madrugava-se para haver tempo de preparar todas as "bicuatas". Os meus pais compensavam-me por estes horários tão vespertinos, com a possibilidade de beber um Cê Cê Mel, que não era mais do que uma bebida de chocolate enlatada. Na altura era possuída por uma falta de apetite crónica, com a qual lhes infernizei a vida. Apenas apreciava coisas muito apaladadas, que não me permitiam comer a toda a hora.

Mas regressemos às viagens. O primeiro carro do meu pai em Angola, foi uma carrinha Morris, já muito velha, cujas portas fechavam com dificuldade. Uma delas era mesmo atada com um cordel. Também tinha outras particularidades, como só pegar de marcha atrás ou por vezes ficar sem travões. Nestes locais mais do interior não existiam mecânicos, por isso cada um aprendia a desembaraçar-se sozinho. O meu pai ainda mantém alguma criatividade, que eu julgo em excesso, quando há qualquer avaria no carro. Quanto a mim telefono logo para o seguro ou para uma oficina conhecida, mas o meu pai continua a ter tendência para a improvisação, como se estivesse ainda num meio sem soluções fáceis.

Nas viagens nunca se sabia muito bem se era possível cumprir horários uma vez que existiam sempre muitos imprevistos. Por exemplo, lembro-me que uma viagem do Cubal para Benguela poderia necessitar de muito mais horas caso tivesse chovido o que provocava que algumas zonas mais baixas ficassem alagadas, impossibilitando mesmo a passagem a camiões e a jeeps. Para precaver situações deste tipo a minha mãe preparava sempre um farnel, do qual fazia muitas vezes parte o folar à minha moda que a seguir transcrevo. Esta é uma receita com origem na serra algarvia, que eu comi toda a minha vida. A massa fica com um sabor delicioso, devido à aguardente e à erva-doce.


Como ingredientes a receita original refere: 250 g de açúcar, 500 g de farinha de trigo; 4 ovos; 1 colher de sopa de fermento em pó; 1 colher de sopa de margarina; 1 colher de sopa de banha; 2 colheres de sopa de azeite; 1 cálice de aguardente; 1 colher de sobremesa de erva-doce moída; 2 colheres de chá de canela; 1 pitada de sal. Eu resolvi substituir a banha por uma outra colher de sopa de azeite e também não coloquei sal.
Juntei as gorduras e levei ao microondas alguns segundos apenas para derreter a manteiga. Juntei depois a gordura aos outros ingredientes, tendo tido o cuidado de peneirar a farinha com o fermento, e amassei muito bem até obter um produto homogéneo. Envolvi num pouco de farinha e deixei descansar 15 minutos. Fiz duas bolas que enfarinhei e levei ao forno a cozer em temperatura moderada. Também poderia ter colocado a massa numa forma untada de manteiga e polvilhada de farinha.

Comentários

Babette disse…
Apesar de nunca ter estado em África cresci a ouvir histórias de lá. Em particular recordei-me das picadas que o meu pai fazia e das peripécias associadas (umas engraçadíssimas outras um pouco assustadoras mas que felizmente acabaram sempre em bem!...). O meu pai nasceu em alto lugela (Quelimane) e tem histórias deliciosas! e água, farnel e lanterna nunca faltavam!
Fa disse…
Quem viveu em África, nesta época, tem sempre muitas histórias para contar. Procuro recuperar pequenas histórias, para evitar que algumas memórias se percam. São banalidades do dia a dia, mas que nem por isso deixam de ter significado para quem as viveu.

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