Os cadernos da 2º classe: exercícios de imaginação ou o mais perfeito delírio



Sempre que nas minhas arrumações encontro os cadernos da 2º classe, feita numa escola oficial no Bocoio, perto do Lobito, vila a que já me referi, não resisto a voltar a lê-los e a pensar como foi possível que, vivendo em África, me tivessem ensinado aquele tipo de coisas. Talvez por isso quando passei uns meses em Portugal, na minha 3ª classe, tive um enorme supresa ao visualizar um rebanho de ovelhas. Eu não estava preparada para ver um grupo de animais sujos, mal encarados e fazendo uns ruídos que não eram de todo agradáveis. Os meus pais tiveram de me convencer com uma certa veemência que as ovelhas eram mesmo assim. Eu, graças ao que me tinham ensinado, imaginava os referidos animais como seres de um branco imaculado, balindo de forma melódica e comportando-se como uma espécie de animais de companhia. A verdade é que até hoje não simpatizo com as ovelhas! Acho que fui atraiçoada! Prefiro muito mais as cabrinhas, com as quais nunca me enganaram.

Os meus cadernos da 2ª classe explicam em parte esta situação. Imaginem o que é para uma criança que vive numa região tropical fazer uma cópia em que escrevia o seguinte: “Tinha chegado o mês de S. João. Tudo quanto o olhar abrangia eram campinas de trigo loiro, salpicadas de onde a onde de papoilas vermelhas, em que pousavam grandes borboletas brancas. Era o tempo das ceifas. O trigo estava maduro. Homens e mulheres de foice em punho, iam segando a seara, que outros atrás vinham enfeixando em molhos. O calor era de abrasar, mas o rosto das ceifeiras, tisnado do Sol, era sempre aberto e jovial. Grandes carradas de trigo em feixes iam chegando à eira, para a debulha”. Há que confessar que é preciso uma imaginação delirante para uma criança recriar um cenário deste tipo, quando o que podia observar à sua volta naquela região era a savana e plantações de sisal. Ainda hoje esta realidade não me diz nada! Para além disso esta imagem de mulheres que trabalham arduamente, mas estão sempre de rosto “aberto e jovial”, coloca a pergunta, e os homens? Seria óbvio que estariam  com um ar carrancudo. Para rematar esta brilhante lição ainda me colocaram perante o seguinte problema: “O Rui matou 60 borboletas em 5 dias. Quantas matou por dia?” Pergunto-me como sobrevivemos e até conseguimos ser pessoas com algumas preocupações ambientais depois de tudo isto! Talvez seja um bom tema de investigação, tentar compreender como se consegue “inverter” as mensagens que recebemos na escola, para o bem e para o mal.

Numa das lições seguintes, tanto quanto me apercebo pelos cadernos elas eram temáticas, fiz uma cópia sobre a “defesa dos frutos”. Há aqui alguma contradição entre a mortandade infligida às borboletas e a preocupação com os frutos. Ou talvez não! Provavelmente é uma visão antropocêntrica. O Homem come os frutos mas não se alimenta de borboletas. Na cópia desse dia escrevia o seguinte: “O Fernando António colheu no quintal uma bela maçã e preparava-se para a saborear com seus irmãos. Foi a que primeiro amadureceu. Tinha cor tão rosada que fazia crescer água na boca. Devia ser deliciosa. Mas, ao abri-la, verificaram que tinha dentro uma lagarta! - Mal empregada! - disseram todos. Quem havia de dizer que era bichosa! Examinaram a casca da maçã. Não se via nenhum orifício. Por onde teria entrado a lagarta?” É sem dúvida uma história plena de mistério, porém revela um certo espírito científico. A causa para tão estranha presença foi explicada pelo pai das crianças no ditado que a professora fez posteriormente: “aquelas borboletas tão lindas, atrás das quais vós correis na primavera, puseram os ovos nas flores da macieira, quando às flores sucederam os frutos, esses ovos tão pequeninos que mal se viam ficaram dentro deles e lá se desenvolveram até nascerem as lagartas”. Não sei se esta explicação estará certa em termos biológicos, mas a seguir foi-nos pedido para fazer uma redacção que não era mais do que a resposta a duas perguntas colocadas pela professora. Numa delas eramos questionadas sobre a utilidade dos frutos, tendo eu respondido que “os frutos servem para a gente comer e para se fazer doces e compotas”. Isto já era revelador de que estava ali a futura autora de um blogue de culinária!

Claro que com toda esta estória sobre maçãs só poderia terminar num bolo feito com a referida fruta e desta vez não estava "bichosa". Aliás, já nem é preciso explicar às  crianças como é que as lagartas aparecem na fruta, porque essa é uma realidade desconhecida pelo menos para quem só frequenta supermercados. Mas regressando à receita do bolo de maçã, esta é mais uma daqueles bolos que eu não poderei fazer com frequência. Já me tinha esquecido como este bolo é agradável! Deveria ter ido inteiro para casa dos meus pais, porém eles só o irão ver no blogue o que é uma tortura. Amanhã compensá-los-ei com outro bolo para o lanche.


No bolo de maçã utilizei os seguintes ingredientes: 4 ovos, o mesmo peso dos ovos em açúcar e em farinha, 2 colheres de chá de fermento em pó, 100 g de manteiga, 3 maçãs grandes. Primeiro bati o açúcar com a manteiga derretida. Juntei, alternadamente, os ovos, um a um, e a farinha misturada com o fermento. À parte, cortei as maçãs em fatias finas. Untei uma forma, neste caso de bolo inglês mas que poderia ter sido redonda, e polvilhei de farinha. Por segurança, também a forrei com papel vegetal, que voltei a untar no fundo. Polvilhei este fundo com açúcar e canela, coloquei uma camada de de maçãs fatiadas e depois deitei metada da massa. Voltei a colocar outra camada de maçãs e depois o resto da massa. Terminei com nova camada de maçã. Polvilhei com açúcar e canela e levei ao forno durante cerca de 50 minutos.

Comentários

Fátima disse…
Olá.
Não encontro aqui nome algum para me referir, além de receitas da minha mãe, então desculpo-me pelo jeito.

Bolo de maçã, deve ser muito bom esse aí, mas devo então pesar os ovos para saber a medida do açúcar e da farinha?

Abraço com carinho.
Fátima disse…
Me redimo, encontrei sim lá abaixo o Fa em seu perfil.

Então, beijo Fa.
Fa disse…
Olá, Fátima
É como diz. Começa-se por pesar os ovos para depois sabermos a quantidade que devemos colocar de farinha e de açúcar. No meu caso penso que pesavam cerca de 250 g. A massa fica bastante espessa. Aconselho-a a fazer numa forma forrada com papel vegetal para bolos. Desconfio sempre das formas de silicone ...
Quanto ao FA corresponde às iniciais do meu nome, que acabou transformado em Fa na blogosfera, mas o meu primeiro nome é Filomena.
Bjs
Fa

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